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CRÔNICAS    ( Jornal de Uberaba - Minas Gerais )

A Sombra 01/06/2013



        Quando o homem saiu a jornadear na vida, apareceu-lhe em caminho uma companhia misteriosa, que era uma Sombra Estranha, e que de manhã, o precedia, como a guiá-lo e, à tarde, talvez por fatigada, deixava-se ficar atrás, todavia, sem nunca abandoná-lo. Se não fosse tão solícita em vigiá-lo, muita vez, o viandante, afastando-se, de manso, para colher o fruto, ordenhar a ovelha ou encher a bilha no manancial.
       No começo a estrada era macia e por entre árvores soavam gorjeios de passarinhos; o sol, que alumiava, era brando. Por milagre, assim que apertava a fome do caminheiro logo lhe apareciam alimentos; se sentia sede, fontes se apresentavam com o fresco murmúrio d’água; se esfriava, mantos o envolviam; se aquecia, fechavam-se sobre ele sombras de verdes ramos e uma voz meiga seguia-o cantando, e era a voz de sua mãe.
       Caminhando, ele e A Sombra chegaram à primeira hospedaria, onde o esperavam as ilusões. Passadas estas, pô-se a caminho e, com o sol a pino achando-se em campo árido, em que havia dunas, descobriu uma árvore viçosa carregada de frutos, correu e achou-a mais cálida do que a luz.
Correu para ela, tomou um dos frutos, levou-o à boca mas nada sentiu. Viu então que era um foco de espuma que se dissolvia. E soube que a árvore chamava-se: Esperança! Continuou a caminhar e A Sombra sempre com ele. Chegou a um castelo e vendo à janela um rosto de beleza estranha, que lhe sorria, parou.
        E a Sombra parou com ele. Extasiado, disse a si mesmo, tenho com certeza o coração de minha amada. Mas ao cair da noite sentiu que esse sangrava fruto da insensatez de sua amada.
         Seguiu em frente, viu uma árvore de folhagens de ouro, que era a Glória! Foi até esta, contudo veio a tarde. E veio a noite e a árvore resplandeceu. Cantaram as aves da madrugada, surgiu o sol, empalideceu de novo e ele a andar. E a árvore sempre perto a ponto de lhe pisar.
        Desesperado de alcançar o que ali tinha e tão difícil de atingir, como as estrelas do céu, prosseguiu e com ele A Sombra. Cabisbaixo viu ao chão uma moeda de ouro. Era a Fortuna! Apanhou-a.
       Tinha fome e pediu pão. Não havia trigo. Tinha sede e pediu água, não havia fonte, tinha frio e pediu fogo, não havia lume. Revoltou-se então. De que lhe servia o ouro? O ouro só compra o que existe, e é por isto que não realiza a felicidade. Lançou fora a moeda.
        Por fim, já velhinho, com A Sombra a segui-lo, lento e curvado, chegou ao sopé de um monte, e levantando o olhar avistou no cimo escalvado uma capelinha branca.
       Ali está Deus! Suspirou. E pô-se a subir. Ao chegar ao alto foi à capela. A porta estava aberta. Entrou, avistou um monge no meio da nave. Rezou com ele, e A Sombra inseparável dele.
        Tocou no religioso que se desfez em ossos. Era quanto restava do que fora um santo. Sentiu-se só, desolado e aflito, deu novamente com A Sombra que não o deixava e exclamou:
       - Todos abandonaram-me, só tu me acompanhas fiel sem trair-me.
       - Quem és? E A Sombra adiantou-se como atraída por ele, e penetrou-o. E ele sentiu-a no cérebro, sentiu-a nos olhos, sentiu-a no coração e ouviu-a falar:
       - Eu sou a Morte que te acompanhei na vida.
         E tais foram as últimas palavras que ouviu o caminheiro, as últimas e únicas verdadeiras!


                                                                                                              HUGO DE CARVALHO RAMOS
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A SENHA DE CHICO XAVIER 24/05/2013


       Duas pessoas íntimas de Chico Xavier seriam depositárias de uma senha para autenticação das mensagens a ele atribuídas. Esta é a versão de um fato que muito tem contribuído para o desassossego de espíritas, principalmente daqueles que aqui residem.
        A afirmação comporta duas hipóteses. A primeira: ela existe e, portanto, as cartas mediúnicas até agora recebidas não seriam do médium Leopoldinense. A segunda: tal afirmação não passa de pura especulação divulgada à boca pequena com o fim de desestabilizar a comunidade espírita e mesmo a grei de admiradores do renomado psicógrafo.
     A História da Humanidade registra casos parecidos desde as famosas centúrias do vidente Nostradamus, devidamente codificadas, ao Segredo de Fátima, passando pelo sinal dos Maçons e da Ordem Rosa-Cruz. Em todos se menciona um sinal concreto a ser revelado, um significado próprio sem o qual não se chegaria à verdade dos acontecimentos. Dezenas de livros já foram escritos sobre esses assuntos e inúmeras versões existem, ao gosto de cada um que se propõe a esclarecê-las. Contudo, em todos os exemplos há um evento concreto. A divergência é quanto à interpretação.
        O mesmo não ocorre com a suposta senha. Não existe o menor indício de sua existência. Chico Xavier nunca a mencionou, em cartas ou documentos similares, muito embora os brasileiros em geral tenham especial apreço ao imaginário, ao mistério, às lendas.
        Chico Xavier, não foi, portanto, homem cabalístico, impregnado de mistério, artífice de charadas e neste sentido, as parábolas de Jesus Cristo em muitos aspectos superam os estilo claríssimo deste que foi um dos maiores médiuns da humanidade, que psicografou centenas e milhares de cartas para mães aflitas que perderam seus filhos em acidente trágico; e, a senha do médium era simplesmente o reconhecimento pelos pais das verdades intrínsecas das cartas e de sua autoria.


                                                                                                               HUGO DE CARVALHO RAMOS
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O palhaço 17/05/2013


        Num determinado dia que a lembrança não me fez esquecer, relatou-me de improviso, puxado pelo fio da memória um pequeno conto, dizendo ser de autor desconhecido, intitulado “O TÉDIO”.
        Segue então o que dele ouvi e registrei em notas.
      - Venho Doutor fazer-lhe uma consulta, a doença que me punge, esteriliza a mocidade e o espírito, que resulta de uma chaga que nunca cicatriza, muito embora comum a tanta gente a de que sofro atroz hipocondria que me torna um cativo e doente, que já não sei o que é paz nem alegria. O senhor é médico dos grandes, também filósofo notável, do peito humano auscultador profundo, curai-me Doutor da dor inexorável, que me esmaga o organismo fibra a fibra, envenena o cérebro e o condensa. Tenho um coração que já não vibra e um cérebro que não pensa. Este tédio, tédio cruel e traiçoeiro que me enevoa e escurece os dias.
        Refletindo bem, responde o médico ao cliente: - O amigo tem razão, padece realmente, contudo a enfermidade e o mórbido que o devora é um produto fatal do século de agora. Creia apenas um instante: o tédio é uma sombra, é a cruel loucura, é a treva anterior da grande noite escura, onde se esquece a sorte, a vida amada, e até o próprio ser, e só se lembra do nada. Um abalo violento, uma emoção vibrante pode curá-lo, Uma pergunta agora, alguma vez amou? Sentiu um temporal violento? Sentiu emoções que lhe fazem bater o coração apaixonado?
     - Nunca Doutor.
     - Pois olhe, aconselho distração constante, procure agitação, o gozo triunfante; já visitou a Grécia? O Oriente? A Terra Santa? Onde tudo deslumbra, onde tudo encanta, onde há glórias geniais, onde tudo é sublime e emocional.
     - Percorri o mundo e a humanidade, em híbridos festins, passei a mocidade, e posso assegurar-lhe que entre as mulheres que vi, cujos lábios beijei em bacanais de bodas, mulher alguma eu vi que para mim não fosse uma visão estranha. Como parti, voltei Doutor, sem achar um lenitivo para este mal que me torna um cativo.
     - Pois então vá ao circo, para apreciar o famoso ARLEQUIM, é um palhaço de escol, é o Rei da Brincadeira, que recebe palmas e aclamações constantes, talvez poderá restituir-lhe a gargalhada franca.
     - Vejo agora Doutor que o meu caso está perdido, do palhaço querido, do palhaço que fala que vive aí no circo tão aclamado, tem um riso de morte, um riso mascarado, que encobre a dor do tédio sem fim e do cansaço. É um pobre. É um infeliz. Sou eu Doutor, sou eu este palhaço!
       Fiquei então encantado. O triste conto e a fantástica memória de meu saudoso amigo causaram-me profunda impressão. E até hoje também desconheço o autor desta expressiva e lapidar peça literária.


                                                                                                             HUGO DE CARVALHO RAMOS
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FESTA DE SÃO JOÃO 10/05/2013


     Ao meu filho Sérvio Augusto (1974-1996) que tão cedo desta vida nos deixou.





        Na tarde festiva da véspera de São João – as névoas saem cedo envolvendo as cumeadas, cobrindo as várzeas.
        Carros de boi despejavam grossas toras de lenha e galhos de árvores centenárias, feixes de cana, cestas de batatas, jacás de espigas de milho e no ar ao invés do aroma das açucenas, pairava o cheiro apetitoso da batata doce cozida pelo calor do fogo, do quentão e outras iguarias em que se apuravam as cozinheiras.
        O crepúsculo então se fez sereno, as estrelas, pingos de luz em forma de um rosário, nasciam. Eis que um chiado estridente subiu no silêncio largo. Era o carro de boi que se anunciava e outros rústicos meios de transporte traziam os moços, velhos e crianças, enquanto foguetes flechavam o espaço, abrindo um lindo guarda-chuva de fogos de artifício, enquanto bombas estouravam, crianças saltavam dos busca-pés espertos. Que alegria !
        Quem me dera poder voltar a esse tempo em que floriu parte de minha mocidade, quem me dera um só de seus serenos dias, uma só de suas ilusões na companhia de meus avós maternos de quem tudo recebi, na formação de meu caráter. A morte quase tudo destrói, exceto o amor que ela liga para sempre.
        É bem verdade que nós só conseguimos regressar aos dias passados e evocarmos a saudade, no exato momento em que fixamos um fato lá no fundo de nossa memória, porque o tempo é intangível, tal qual a luz e o ar que respiramos, e este vazio só vale quando nele entram emoções, impressão remota dos dias que já se foram.
        É destas festas de São João ocorridas na Fazenda de meus avós maternos, carinhosamente chamada: “Santa Gertrudes”, neste município, que a retina de meus olhos registra; as recordações mais densas que se incrustaram no meu espírito de menino maravilhado com o chuveiro de estrelas, que escapava estrepitosamente de um conjunto de foguetes agrupados que sobem simultaneamente e em rápida sucessão; com o crepitar das fogueiras com suas altas labaredas a assustarem também a criançada em volta.
        Falava-se, ria-se, lembrava-se de outros anos e os que, com eles haviam desaparecido. Mais tarde verifiquei o quanto tudo isso me lembrava o filho perdido, cujo semblante me vem agora à memória, ao mesmo tempo em que minha mente retorna ao cenário do passado, do meu passado emotivo daquela noite em que o foguetório explodia, ouvindo-se o lufar das chamas, o estralejar das lenhas, o vozerio dos pequenos e as árvores, ao clarão, luziam, como de metal, na orla da mata enevoada pela lua.
Assim o que foi, o que é, e o que será, forma um todo, ao menos nos momentos de festas tradicionais. São como um “flash back”.
        Cada um de nós representa uma acumulação de vidas, a herança milenar dos ancestrais manifesta-se em tudo, até mesmo nas fogueiras de São João. Em sítio ermo onde se escutam as vozes da noite, cantam lá fora, na terra e no espaço, o hino da Eternidade. É por isso que retenho todas as lembranças da vida, sem que as deixe ao seu destino, esquecidas!

                                                                                              HUGO DE CARVALHO RAMOS MAGALHÃES

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TRIBUTO ÀS MULHERES 08/03/2013


Oração de mãe arrebenta as portas do céu. (Celso de Almeida Afonso)




            A lágrima é o segundo leite com que as mães nutrem a saudade.
        Antes em agonia, enquanto a alma do filho se despede do corpo, recolhendo em si todas as lembranças da vida. E assim recordam a existência dele, os dias suaves e inocentes da travessa infância, até a hora triste do adeus, de sua vida terrena e aqui fica a despedida provisória; é porque o pressentimento dizia-lhes que não o tornariam a ver, em corpo e alma, tal qual Deus o pôs no mundo em que vivemos.
         E os olhos das mães ficam chorando - tristes feridas que se não fecham! - E quanto mais se alonga o tempo, mais aumenta a saudade e por ela, como os rios em várzea, as lágrimas transbordam. 
      Pobres mães! Elas é que são, em verdade, as heroínas, as mártires obscuras, as abnegadas servidoras, porque, mais do que o corpo, deram o espírito no amor dos filhos.
         Maria acompanhou Jesus em todos os transes dolorosos; seguiu-o, na turba, através das ruas de Jerusalém, subiu com ele ao calvário, viu despirem-no com afronta, foi pregado no madeiro com crueldade, alçarem-no entre ladrões com escárnio. Ouviu o clamor da sede e a rendição do espírito, viu a cabeça descair-lhe mole sobre os ombros, serrarem-se-lhe as pálpebras, afundar-se-lhe o ventre; e calada, contemplou longamente o seu meigo Jesus, batido pela morte.
          Quando o desceram do poste infamante, tomou-o ao colo.
        Assim, a angústia dolorosa teve ao menos a consolação da presença do corpo do filho amado e, quando o levaram piedosamente a enterrar, ela arrastou-se no séquito, com a marcha fúnebre dos seus soluços, viu abrir-se o túmulo, ajudou as mulheres a espalharem os aromas e, até cerrar-se a lápide, ali esteve perto do filho, agarrada a ele como a raiz à arvore fendida.
        A sepultura é um lar, cujo senhorio é Deus.
        Mas diferentes são as outras mães, desvairadas, vão com esperança além da vida e clamam no limiar do mistério evocando o que foi, a reclamarem aflitamente, mas se contentam com o sentir a alma, que exala o doce perfume dos vergéis, que aspiram profundamente.
        Maria sabia que o sacrifício a que se prestava o filho lhe fora imposto pelo céu para resgate dos pecados do mundo. Mas e as outras que perderam seus filhos, cuja missão não foi a do Cristo? Assim restam a elas a saudade e a esperança de vê-los um dia, quem sabe, do outro lado da vida.
        E são as mães que concorrem para esta obra sublime, são elas que, ainda uma vez, salvam o mundo, pondo no lugar propiciatório os próprios corações.
        Que se honrem as tristes heroínas, que se resignem à orfandagem entregando os filhos à morte, como reféns da vida, a garantir com o amor o mundo na própria essência divina que lhe ficou das mãos do artífice Supremo.
        Lembremos sempre que o dia da mulher seja de todos venerado, por vir, cheio de graça recordando a bondade sublime da que se despoja do amor em benefício da Vida.
        Felizes os que se podem florir com um cravo cor-de-rosa... Beijando os cabelos brancos daquelas que o abençoam.

                                                                                            HUGO DE CARVALHO RAMOS MAGALHÃES
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                             O Médium Celso de Almeira Afonso - A luz da saudade 01/03/2013



       Por volta das oito horas da manhã do dia 26 de fevereiro deste ano de 2013 recebi tristemente a notícia da morte de Celso de Almeida Afonso. Aquele grande benfeitor da humanidade não existia mais para nós neste planeta de dor e expiação. Aquele enorme coração, que só batia pelos outros, cessara de palpitar; aquela grande alma, feita de todas as nobrezas do caráter, tinha ido. O seu passado, o seu presente, inspiravam-me um respeito amoroso, que eu lhe tributava, como às velhas cousas sagradas que me lembram uma tradição de sacrifícios. Eu sentia uma ternura por aquele modo franco e descuidoso. Depois, não sei que grandeza admirava naquele homem que recebia constantemente em sua casa, no Centro Espírita Aurélio Agostinho, um mundo de gente faminta de notícias de entes queridos que aqui já não estavam, mas escreviam cartas por intermédio do Médium Celso de Almeida Afonso, em concorridas sessões de psicografias. Pela limitação do tempo dentro do qual se encontra o homem, as cartas chegavam em número limitado, mas Celso tinha por todos imensa dedicação, levando consolação e conselhos fortificantes.
       E Celso de Almeida Afonso hauria-se no próprio ardor como uma candeia iluminando à custa do sacrifício, as trevas de desespero e da angústia daqueles pais em desespero, sem auferir uma sombra de lucro, entendendo que a missão do espírita é um verdadeiro apostolado. E imbuído deste propósito empenhava-se de corpo e alma, fazia-se matar pelo bem do próximo e dizia sempre que a medida de amar é amar sem medida, reproduzindo a frase de Santo Agostinho. E tudo isto, como beneficência oculta, avessa à fanfarra dos elogios.
       Isto impressionava o meu espírito como uma grande esfera de luz sobre a qual se levantava a figura nobre e irresistível de Celso de Almeida Afonso. Havia, para ele, como um trono em minha alma.
Encontro-me de súbito por minha casa, dizendo-me alguém morreu Celso de Almeida Afonso, de cujas mãos não mais receberia as mensagens de meu filho Sérvio Augusto que vi tombar da juventude no túmulo, como flor cortada em pleno viço.
       Mas, ganhei um pai - Celso de Almeida Afonso! E fica por ele agora e sempre a dor de minha saudade.

 

       Errata: No artigo de 22/02/2013 no segundo parágrafo deve-se ler "alto d'Abadia" em vez de "auto d'Abadia"; e no sexto parágrafo "que fica no Bairro Serra Dourada" em vez de "que ficava no Bairro Serra Dourada".
                                                                                              HUGO DE CARVALHO RAMOS MAGALHÃES
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DALTRO BATISTA DE PAIVA 22/02/2013


 

       Conheci Daltro Batista de Paiva como avaliador judicial e vereador da Câmara Municipal de Uberaba.
Homem desprendido das coisas materiais, era um político popular, figura carismática, de muitos amigos.

       Sempre às voltas com seu eleitorado, no reduto de sua preferência, o alto d’Abadia, junto ali à Igreja da Virgem Santíssima, na Praça do mesmo nome.
       Nunca hei de me esquecer de sua magnanimidade, que, com seus parcos recursos, distribuía a quem lho pedisse notas e moedas, dizendo sempre “são meus eleitores”.
       O amigo e inesquecível vereador era uma espécie de Tito, personagem de Machado de Assis: “Eu sou assim; apareço quando não me esperam. Sou como a morte e a sorte grande.” Estas pilhérias eram, para ele, coisa natural que apareciam inesperadamente no meio de assunto sério.
       Nós brasileiros somos faladores, mal dizentes, despeitadores das conveniências, assaz inquietos, não somos pessimistas nem nos agrada o terrível deserto de tudo. E nosso edil não fugia à regra. Gargalhava da vida. Tudo para ele era um grande espetáculo teatral em que cada um de nós exercia seu papel, sempre uma festa do espírito: anedotas, piadas, coisas alegres, expansivas, que se transformavam no santo remédio para os humores depressivos.
       Lembro-me bem, certo dia, lá pelos idos de 1996 quando meu filho, Sérvio Augusto, faleceu, Daltro que o conheceu fez-lhe homenagem denominando um logradouro público – Sérvio Augusto Carvalho Ramos – que ficava no Bairro Serra Dourada e no dia em que a placa de identificação da Rua fora colocada, estávamos todos lá, orgulhosos do ato cívico.
       Adorava pés de moleque e quando eu os tinha em casa, dizia-lhe: “vamos lá Daltro comer pés de moleque de rapadura pura”.
       Gostava do pito. E dizia sempre que o cigarro era um prazer sem outro igual, e repetindo a modinha “enquanto eu fumo espero aquela que mais quero e depressa a vida passa e o trago da fumaça me faz enlouquecer.”
       Esse político modesto não morreu para mim, pois o amor às pessoas de que nos afeiçoamos, não acaba na sepultura e sempre vale a pena encontrá-lo no fundo de nossos corações!


                                                                                              HUGO DE CARVALHO RAMOS MAGALHÃES
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As mães de Santa Maria 01/02/2013

 

 

Assim todo espírito, quanto mais puro for/ E mais tiver em si a luz celeste/ Procurará o corpo mais formoso/ para habitá-lo e mais formosamente o ornar/ De Graça jovial e amável parecer/ Pois da alma o corpo toma a forma; / Pois a alma é forma e o corpo faz.
(Spencer)



       Aqueles corpos longínquos nas estrelas, que se encontram em outras regiões do espaço infinito, porque tudo que é lindo, perfeito e forte não pode aniquilar-se pela morte. A existência de nós aqui na Terra nos mostra cada dia que a energia formata o mesmo ser, fluindo beleza que jamais se exala, não se perde apenas se transforma, se aperfeiçoa e sobe numa escala, não se dilui, persiste e segue em demanda de outra perfeição.
       Lá, as mães sofridas, sobre seus filhos refletem, como a eles se ligassem os fios de viva claridade nos mistérios que envolvem a Eternidade. E enquanto assim ficam, o clarão daquelas almas, nunca se empalidecem.
       Mas confessam, às vezes, a alegria se dispersa; a dor concentra, pois nesta, em verdade, sentimos que um filho é carne de nossa carne, e como partiram, os corações das mães nunca se esquecem, é como o punhal que lanceta a ferida aguda que no âmago do coração sempre permanece.
       O leitor amigo não imagina o quanto é áspero e duro este tormento, igual o de Jesus, é certo, nas três vezes que caiu no caminho do Calvário e suportou calado, a cravação na cruz.
        E tanto quanto os dele, os lábios daquelas mães secam e também repetem:- Temos sede!
       E olhe que de tais palavras à rendição do espírito divino mediou apenas o instante breve em que soou sua partida -"Consummatum est!"
      Mais longa do que a de Jesus é a agonia daquelas mães. Todos os dias, a todo instante, sofrem diante das imagens, moços de pleno viço de saúde.
       Que incêndio é este que lhes ardem nas entranhas? Leitor amigo, é o vaso partido da saudade, da ausência, da água mesma que alimentava a flor querida, assim é a artéria daqueles corações que batem, se abrem, escoam pelos seus olhos lágrimas ardentes, e veem a cada momento que ela murcha pouco a pouco.
       E quando a noite chega, ao deitarem, antes do sono vir, sentem, vivos na lembrança, com saudade, rastros de uma vida que passou, sonhos que consolam dentro da noite triste e eterna, mirando os olhos destes pequeninos, quando nasceram para tão curta vida, até o doloroso instante em que partiram para sempre.

                                                                                                                  HUGO DE CARVALHO RAMOS MAGALHÃES

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                         Encontro Marcado († Ao Sérvio Augusto - 25/01/1996) 25/01/2013



          Alguns pregam, bem o sei, consideram a Terra único mundo habitado por seres humanos, segundo os quais só ela teve a honra de acolher o Cristo. Entretanto, os Evangelhos nos dizem que o Mestre dos Mestres, após dolorosa paixão desceu aos infernos, vale dizer, lugar inferior ao nosso e nele lançou o brilho de teu olhar.
      Mas, isto não quer dizer que outros mundos não sejam povoados por criaturas que já não necessitam de salvação - o plano de Deus -, nunca e jamais será conhecido em toda a sua inteireza.
        Este conhecimento não nos é dado plenamente perceber. Em certa ocasião andava pela praia Santo Agostinho, a meditar sobre a essência de Deus; deparou-se com um menino, a colocar toda água do mar no buraquinho aberto na areia. O Santo surpreso disse-lhe que tal tarefa era impossível ao que o menino lhe respondeu: "é mais fácil que eu traga toda a água do mar para encher o buraquinho, do que você conhecer todos os mistérios de Deus". Esta curiosidade, portanto, encontra obstáculos, por motivos que ignoramos, e, creio só quando estivermos no plano espiritual superior, saberemos a verdade desta inquietante pergunta.
        Por isso, digo a Deus vivo e eterno, é certo que não te posso compreender, mas posso dizer-te, o Senhor é nosso Pai como disse Jesus Cristo. Devemos celebrar a beleza do Universo contemplando tua criação. Vejo as maravilhas de toda natureza e celebro a glória de teu nome.
Se na essência somos espíritos eternos que viajam pelo Universo, não há hora, nem anos, nem séculos, nem idade.
        Os céus narram a glória de Deus. Disse o apóstolo São João em conversa com a Samaritana: "Mulher crê no que te digo, aproxima-se a hora em que todos adorarão o Pai em verdade e em espírito".
Por isso, tenho de crer que aquele nascido no lar de minha casa existe, embora invisível aos meus olhos.
       Todos os dias elevo meu pensamento para ti, Sérvio Augusto, e repasso na retina dos meus olhos tua figura esbelta e choro de alegria porque tenho certeza de que vamos nos encontrar nas paragens do infinito. Entrelaçaremos nossas mãos e a saudade será uma página do livro que se encerra para que outra se abra luminosa como a luz do sol, como as águas dos rios cantantes, do fino trinar dos pássaros e com os olhos voltados para Deus celebraremos a felicidade indivisível e eterna e jamais esquecida.


                                                                                             HUGO DE CARVALHO RAMOS MAGALHÃES

 

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                                                         A inspiração do poeta 11/01/2013

       Prezado amigo, pergunta-me onde o poeta busca a inspiração para os lindos versos que de tua pena fazem chorar, e sorrir, encantando os que o leem?
       Pois respondo agora. Toma o poeta a inspiração, leva-a ao coração, faz inflectir o gênio, criador como o sol, rega-a de lágrimas.
       Para o poeta uma lágrima é uma semente, um olhar que rebenta em poema. Tudo depende, entretanto, do solo, do homem que a recebe.
       Mas nem toda terra é boa, nem todo homem produz: assim como charneca que só gera sapê, outras tantas ervas daninhas só viçam nos pântanos onde se enroscam víboras, da mesma forma há homens que só rebentam em maldade, como a terra ruim. Tal é o caso dos poetas mal nascidos.
       O gênio inventivo dos grandes poetas não desdenha as grandes literaturas, fortalece-se com elas, nelas busca seiva em ensinamentos. Colhe nos espíritos superiores, desce aos corações simples onde apanha a poesia singela, a alegria e o sofrimento, o ideal e a angústia, os enlevos e os olhos e os sonhos.
       O escritor e o poeta tanto um quanto o outro, olham em torno o que os cercam, respiram o ar, gozam o perfume, e tudo aproveitam.
       Assim amigo, nada lhes escapa: a melodia da ave, o sussurro das frondes, o murmúrio das águas; não lhes escapa, o brilho da luz no lustro de uma folha nem o olhar lagrimoso que moça triste parece suplicar aos céus; escutam o que dizem os humildes e o que apregoam os vaidosos; detém-se aqui ante um lance de amor idílico; além, à beira de um berço; adiante, junto de um túmulo e de tudo tiram impressões, como se recolhessem sementes. E concentrados veem o manto azul do céu estrelado. E da pena do poeta caem os versos que a musa inspiradora lhe canta aos ouvidos.​

                                                                               ​HUGO DE CARVALHO RAMOS MAGALHÃES
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Amor para sempre 04/01/2013

(Ao Celso de Almeida Afonso, o mensageiro das boas novas).

"A medida de amar é amar sem medida".

"Compartilhar a dor é o início da compaixão". (Santo Agostinho)


       Em novo nível de consciência, em dimensões do espaço infinito em que o tempo é mera projeção subjetiva da mente; pude ver-te, e neste instante tu cobrias as águas do riacho com a luz de teus olhos, tornando-as, um espelho cristalino.
      Vem, traga-me o calor, a alegria, a força, a religiosidade do mais humilde dos crentes, de modo a transformar a grandeza do meu amor por ti, tal qual a extensão das raízes arrancadas, cujo diâmetro bem mostra a profundidade do solo em que penetraram.
      Na esperança, originada da fé, a mesma que sente o forasteiro que reouve seu tesouro perdido, deposito a certeza de que tu estás presente, para que quando eu partir, estarmos juntos para sempre, com o novo e igual corpo que hoje ostentas. O teu túmulo não afasta o amor que tenho por ti. Amor não desfeito mas cristalizado na eternidade de nossas vidas.
       Rezo, obtendo e acumulando graças e divulgando as tuas mensagens, as quais estudo para depois procurar em minha pequenez, distribuir na pregação humilde porém sincera os dons recebidos; porque tu me guias, luz de minha razão, razão de minha vida. Tu que cobres com a grandiosidade de teu coração, vem a mim, exorto-te. Traga-me constantemente o calor, ilumina-me a consciência para que prevaleçam minhas virtudes em detrimento de meus defeitos. Flor de eternidade, seja tua presença, ainda que não te veja, te ouça, o lenimento e o bálsamo que atenua a dor da ferida, a chaga aberta em meu coração, pela saudade. Então verei feliz o límpido azul do espaço infinito onde os astros cintilam como pirilampos.
      E derramarei lágrimas que encharcam a terra, fazem brotar os lírios, as rosas, os crisântemos e as margaridas, e todas se ligam, entrelaçam-se abrindo também o manto da saudade! E assim sentirei o perfume sagrado delas, soprado por Deus, na viração do vento, que de ti chegam.
       Então a melancolia de teu túmulo se transforma, matizado pelas flores e folhagens lindíssimas. Acima de tudo isso, na abóbada celeste, sorriem as estrelas num chuveiro de pequenos cristais esplendentes, espectros de sete cores, arco-íris entrecortado por sublimes músicas, acompanhada de vozes angelicais que também oram por ti.

                                                                                              HUGO DE CARVALHO RAMOS MAGALHÃES
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                                                        A dor da ausência 28/12/2012

       A saudade é como lampejo da vela que faz bater o coração descompassado. Pudesse eu transformar-te num símbolo eterno da lembrança!
          Os sinos tocam a badalada das ave-marias na boca da noite, no anúncio da derradeira viagem.
          Tudo vibra e me faz lembrar de fatos esquecidos no arquivo da memória.
         Nunca se me retira da visão esse pano de fundo que representa os últimos longes da vida de meu filho que tão cedo Deus me levou.
         Fatos já passados tal qual a água dormente sobre os seus largos bancos de areia. O declinar do sol deslumbrante, os pedaços inteiros do céu que se transformam em poeira dourada. Tudo se resume nessas impressões que nunca morrerão em mim. Os filhos dos pescadores sentirão sempre debaixo dos pés o roçar da areia da praia e ouvirão o ruído da vaga do mar. Eu por mim acredito pisar na terra em que juntos brincávamos no jardim dos sonhos e esperanças futuras.
         Emerson, filósofo norte-americano, quisera que a educação da criança começasse cem anos antes dela nascer. A educação religiosa de meu filho obedeceu certamente essa regra. Daí muito mais forte são as recordações que ele me evoca.
         Solitário do destino cativo, aguardo o supremo dia de sentir fechar-se a chaga sagrada da saudade.  

        E justo no momento do alento derradeiro, libertador do espírito que se solta tal qual o submerso que se desfaz no fundo do mar, das últimas algemas segundo os altos desígnios de Deus, que o retirou do convívio da família que lhe serviu de albergue, morada sempre passageira.
        Mas a certeza do reencontro é certo, tanto quanto é certa a ida e o retorno do ser criado ao seio de Deus, na eternidade do tempo.
        Creio firmemente nessa nova vida, em planos superiores, velado por anjos guardiões, os quais nos conduzem, para subirmos livre de empeço que se cristaliza em um espelho, refletor dos raios dourados do sol ou do brilho esplendente de pequenos flocos de neve, que molduram a beleza do céu em noites enluaradas.
        Felizes daqueles que no porvir de seus dias, têm a certeza de encontrar o ser radiante, arrebatado por Deus e que se encontrarão ambos , no jorro de lágrimas de intensa alegria, no momento exato do abraço, na felicidade eterna, de tão intensa que só os novos níveis de consciência registram.
       Amor puro, indissolúvel na substância amalgamada pelo Pai Supremo, de tal forma ligada a este no qual  a costura diáfana não mais se vê.
      Deus misericordioso, na tua bondade absoluta, não permita, oh Deus!, nem por um segundo esqueça eu da grandeza de tua obra, do amor, elo de ligação a meu querido filho. Nem por um segundo sequer retire a imagem dele de minhas frágeis retinas, as quais num flash de luz me foi permitido vê-lo em inteireza, nos vestígios, nos sinais, na casa em que viveu, nos lugares por onde caminhou, nas cartas que amparam minha dor.

                                                                                              HUGO DE CARVALHO RAMOS MAGALHÃES
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A CARIDADE E AS ESTRELAS 22/12/2004

 

“Ora(direis) ouvir estrelas!/
Certo perdeste o senso!/
                            Eu vos direi, no entanto/,
Que para ouvi-las/
muita vez desperto/
E abro as janelas/
Pálido de espanto”
                                       (OLAVO BILAC)

 

       Minha avó muito católica sempre dizia a mim: olha, Nosso Senhor lá de cima, vê tudo que se passa cá em baixo. Você faz uma coisa que sua consciência repudia, pensa que ninguém descobre. Pois sim!
       Nosso Senhor Jesus Cristo viu e vê tudo, e no seu caderno de apontamento anota. Quando você for ter com ele, vai lembrá-lo de tudo.
       E eu assim imaginava Nosso Senhor, um homem enorme, porque é da criatura humana pensar que o mesmo tem forma antropomórfica. Assim ocorria e minha avó me punha mais sobressaltado pelo futuro perigo.
       Desde então comecei a ter medo de Deus, tanto ou mais do que tinha dos meus professores, todos padres jesuítas, do Colégio Santo Inácio de Loyola.
       Mas foi minha avó, mais tarde, quando eu avançado em anos que ela assim se explicou: Nosso Senhor não é mau.
       Pode castigar-nos quando infringimos suas regras eternas, entretanto, também quando praticamos boas ações a recompensa vem logo.
       Quando se ajuda o pobre, de coração no ato, qualquer que seja o valor, Nosso Senhor faz da esmola uma estrela.
       Olha lá para cima, pontos de luz faíscam, são as estrelas. São esmolas que Nosso Senhor recebe, porque os pobres são seus cobradores.
       Muito mais tarde, experimentei a verdade dessa afirmação.
       Levantava os olhos. Que riqueza! Que imenso tesouro Nosso Senhor guardava.
       Meu filho ouvia extasiado essas histórias, até que num determinado dia, que se perdeu na noite do tempo, eu o vi distribuindo suas moedas retiradas de seu cofrinho. E logo vindo a noite ele apontava seu dedinho à abóbada celeste e dizia: as minhas estrelas devem ser aquelas que cintilam.
       Até que, numa tarde, quando o sol se punha e derramava seus últimos raios refulgentes na linha do horizonte, eu o vi sacudir aquela pequena caixa de metal.  

​              Já não havia mais moedas e ele aflito dizia que a noite seria sem estrelas. E ele pensava na tristeza do céu deserto.

       Juntos, eu e ele, saímos a alguns metros da casa, debruçamos-nos sobre a janela de nossa casa. E meu filho alçando seus olhos, que mais pareciam duas jabuticabas, exclamou: olhe lá pai, as estrelas tinham se multiplicado. Pareciam lâmpadas que Nosso Senhor acendia. Parecia dia.
Fui ver. O céu estava qual o manto de Nossa Senhora, com a lua ao meio, enorme e alva, toda de prata.              Linda noite!
       Eu lhe disse então, hoje, filho, dei muitas esmolas aos necessitados. É, dizia ele, mas você ganha.. mesmo assim o pequeno retrucava- aquelas que mais brilham, de ofuscar os olhos, são minhas... feliz tempo!
       Hoje, quando contemplo o céu estrelado, lembro-me entristecidamente, saudoso da falta que ele me faz. Feliz tempo de ilusões e sonhos.
       A saudade, flor da memória, desliza lembranças de você- meu filho-. Então tudo recordo com lágrimas nos olhos, e são tantas, como trazer a morte à vida, ressuscitá-lo, enfim, ainda que, por instantes, como o relâmpago nos dá na treva da tormenta, a visão da luz- Da tua luz!


                                                                            HUGO DE CARVALHO RAMOS MAGALHÃES 
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À BEIRA DO TÚMULO 09/08/2007

(Sérvio Augusto Carvalho Ramos  1974 - 1996 )

 

      Nesta fronteira misteriosa que limita os dois mundos- o tumultuoso da vida que tanta vez surpreendeste fixando-lhe os episódios em cenas de intensa flagrância e o sereno da Eternidade, cujos  umbrais atravessaste, digo por mim e todos os que tiveram contatos com tua alegria agreste, o adeus a tua suave bondade.
      Fostes filho, amigo e companheiro.
      Honraste o nome com teu caráter e aqui no bairro que habitaste é lembrado pelas tias, nome carinhoso que os jovens de ontem e de hoje, chamam os mais avançados na idade. E dentre todas uma sempre aqui se destacou pelo  seu perfil de mãe talentosa, a que chamavas “Tia Dulce”, como assim a tratava no âmbito de nosso lar.
      É justo que no mês que passou, tua voz se faça ouvir, mesmo na tristeza e na saudade daquele dia que regressaste ao seio da Grande Mãe, não para dormir o sono Eterno da noite sem horas, mas para         lembrar da graciosa paisagem de arvoredos verdes que ornavam a pracinha de todos, de sugestivo nome:   “Morada das Fontes”, de águas que cantam.
     Volvendo agora  àqueles tempos e revolvendo na minha memória o transe saudoso, vendo-te partir como se fosse agora, ao seio de Deus e dos planos celestes, onde um dia nos encontraremos.
     Vem a  mim assim a impressão nítida que os rios fazem nas barrancas quando descem precipitosos, em rumo ao Oceano, roendo os contrafortes da terra arrastando consigo as humildes plantas e as árvores robustas; e a vegetação que fica debruçada, sentindo o escorcho das águas que lhe vão descobrindo as raízes, pende, inclina-se acenosa, à espera da hora de seguir na corrente, não do destino do Nada...; tu vens, semelhante ao rio e pelo teu caminho, deixando órfã a Terra que tanto se orgulha do teu nome, pelo  céu pontilhado de estrelas, como num rosário de luz, que a tua bondade conquistou.
     O que fica de ti entre nós é a figura de um moço alegre que  amava a vida na ignorância de teus poucos anos; o que vai contigo para Deus é a virtude do teu espírito fulgurante e perfeito.
     Poucas vezes tenho encarado tão de perto com a morte como naquele 26 de janeiro de 1996, quando a sombra baixou sobre o teu rosto; e o que me ficou dessa visão memorável de um ocaso humano foi a certeza do prestígio da Bondade.
     Atravessaste os poucos anos de tua vida num sorriso, nunca saíste do raio de sol, e, da grande altura da morte alongando o olhar até às lindes do berço, viste tudo azul puro e claro. E sereno ficaste na doce paz de uma consciência límpida, fixados os momentos os mais felizes, na retina de teus olhos, todo o cenário de teu mundo amoroso, e viste as tuas queridas tias e toda paisagem do teu mundo, e viste o círculo de afetos em volta de ti.
     Então, ajuntando, às pressas, o que ainda tinhas no coração generoso, acendendo o olhar, já da outra margem da Vida, atiraste aos que ficavam o mais formoso e triste dos adeuses- lágrimas!
     E foi tudo.
     Foi ainda uma lição, filho e amigo:- aprendi na tua morte a condensar a emoção numa síntese augusta.
     Palavras são vestes, a Lágrima é a verdade nua. Ela aqui fica como a flor de minha e todas as almas de tuas queridas tias.
                                                                                             HUGO DE CARVALHO RAMOS MAGALHÃES
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